De forma calculista, os republicanos sempre pretenderam reduzir-nos à discussão sobre touradas, bigodes, patacos, sangues anilados e pouco mais. Convém-lhes, procurando distrair as atenções daquilo que é essencial. Sabendo-se que os dezassete milhões de Euros - não contando com os ex e com os salários alegadamente não recebidos pelo actual inquilino - anualmente despendidos pelo Palácio de Belém são coisa pouca, mesmo se duplamente inflacionados se os compararmos com a boa sorte reservada aos contribuintes belgas, espanhóis, dinamarqueses ou suecos, o que poderemos então dizer daquilo que se tem passado no regabofe que é a República Francesa?
A estranha sucata dourada que substituiu a flor-de-lis
Sarkozy não é uma novidade, até porque os seus predecessores sempre amaram macaquear o grande estilo outrora reservado aos mais poderosos monarcas franceses, arrivismos bonapartistas incluídos. Ainda temos presente aquela quase kitsch imagem de Mitterrand quando na homenagem feita a Jaurés, obrigando uma numerosa assistência a esperar durante horas pela sua presidencial figura. Surgiu infinitamente grave e solitário, vestido de cinzento Vichy, fácies amarelo-cera e indolentemente entrando no panteão, de rosa vermelha em punho. Todo este aparato, para que nele vissem qualquer coisa que também a todos escapou.
Ficaram lendários os seus sacos azuis de onde saíam óbolos ministrados a operacionais que por toda a França e pelo mundo fora, cumpriam os desígnios da seráfica excelência. Lembram-se do caso Rainbow Warrior? Fanfarras, grandes paradas onde até um dia se viram panzers da Bundeswehr desfilando nos Campos Elísios, agentes secretos que silenciavam criaturas incómodas, custosos presentes-compra ofertados a potentados africanos, intermináveis "jantaradas com culturais amigos", tudo, tudo servia para dar a ilusão de um continuar daquele fio da história que tinha Luís XIV como exemplo máximo.
No Reino Unido, a Rainha mandou definitivamente acostar o iate Britannia e a sua dotação é relativamente modesta, quando a comparamos com aquilo que os franceses desembolsam para os prazeres do Eliseu. Pior ainda, Isabel II faz as contas à vida, prescinde das rendas das suas propriedades pessoais que por sinal, pagam uma boa parte dos funcionários dos departamentos do Estado. O merchandising da Monarquia enche os cofres do Exchequer e dão trabalho a uma miríade de empresas que em todo o mundo, propiciam a desejável imagem de uma Grã-Bretanha que se quer "como sempre".
Hoje os tempos são outros e as repúblicas transformam-se em reles prolongamentos do Club Mediterranée. O pequeno burguês Sarkozy é a imagem da republicana plutocracia que por cá tão bem conhecemos. Muitas festas de estalo, milionárias excursões que fariam Mário Soares morrer de inveja, jactos Airbus para trás e para a frente, 121 carros de serviço, resgate de filhotes constipados, a cônjuge de serviço que de vez em quando mostra mais um bocadinho das cuecas que a Europa inteira fartou-se de ver sobre passarelas, enfim, uma versão bastante cara da revista Maria para ser lida no cabeleireiro.
Nada de novo, até porque De Gaulle, Pompidou - o grande demolidor que construiu o grotesco Front de Seine -, Giscard dos diamantes de sangue, Mitterrand e Chirac fizeram o mesmo, ou pior ainda.
113 milhões de Euros, um jackpot do Euromilhões. C'est ça, la République.
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